Os apps estão matando o romance?

É bem comum ouvirmos sobre como os apps estão matando o amor romântico, ou como as gerações estão perdendo interesse em parceria de longo termo, ou mesmo como a tecnologia está mudando os nossos cérebros. Um artigo-comentário na revista britânica Standard usa estatísticas como “10% da população britânica usa um app de namoro online.

Mas hoje viemos dar duas perspectivas: uma mais otimista de que o romance não vai morrer tão cedo. Uma outra mais pessimista: de que os apps são desenhados, sim, numa lógica de consumo. Tudo isso aplicado ao contexto atual de namoro para gays.

Vamos usar o trabalho da Dra. Helen Fischer como exemplo. Ela é PhD em antropologia biológica e pesquisadora sênior no The Kinsey Institute, Indiana University. Ela já escreveu 6 livros sobre a ciência do amor e suas pesquisas acumulam mais de 15 milhões de respostas. Ela nos explicará um pouco mais sobre os impulsos por trás do romance e como podemos usar nossas forças naturais para encontrar nosso parceiro.


Entendendo o cérebro humano.

Para a Dra. Helen Fischer e seus estudos, existem três tipos de sistemas no cérebro para o acasalamento e reprodução: impulso sexual, sentimentos de amor intenso e sentimentos de apego profundo. Esses termos foram traduzidos de forma livre por mim, pois o conteúdo dela está todo em inglês.

Nós fomos construídos para encontrar pessoas, acasalar, protegê-las (inclusive o sentimento de ciúmes vem daí) e, claro, para formar casais. Ela estudou também o adultério em mais de 40 culturas e, para ela e seus estudos, a traição acontece porque ele mexe com dois sistemas diferentes desses citados anteriormente. Logo, você é capaz de amar alguém, sim, e ainda ter relações carnais com outras pessoas.

E esses sistemas não vão mudar com a criação de aplicativos de namoro. A dra. Helen Fischer defende que o cérebro foi criado há milênios e ficará conosco por mais alguns milênios. Portanto, não devemos nos preocupar com nenhuma mudança biológica nele no curto prazo: isso não vai acontecer. Nossos instintos e necessidades continuam os mesmos. Logo, o que devemos nos atentar é sobre como lidamos com os diferentes mecanismos e ferramentas à nossa disposição – e como estamos usando eles.

Na real, para ela, os apps e sites de namoro são, na verdade, sites para conhecer novas pessoas. Ela cita, em um TED talk, para contrapor essa ideia de tecnologia mudar nosso cérebro exemplos como a invenção do carro (que passaram a virar motéis móveis) ou a invenção de anticoncepcionais. Eles mudaram como amamos? Não. Mudaram nossos comportamentos de cortejo e seleção, sim. Portanto, os apps devem ser vistos como tais.

Enquanto sempre tivemos cercados de muita gente, agora temos mais facilidade, porque requer menos trabalho. Afinal, mesmo que você tenha nascido numa cidade de 50.000 habitantes como eu fui, você ainda tinha, certamente, mais do que 10 opções. Além do fato de você poder acessar pessoas fora da sua bolha social.

Apps como Grindr, Tinder e Happn, entre tantos outros, dão uma lista enorme de potenciais parceiros e, aliado às pressões sociais e econômicas que enfrentamos hoje, nossas prioridades mudaram. Para ela, inclusive, hoje as pessoas estão no modo “slow love” ou amor lento, em tradução livre.

Nesse contexto, nós estamos demorando mais para apostar no casamento e na instituição “família” porque temos outras prioridades e temos rejeição aos problemas legais, econômicos e sociais do divórcio. Isso tudo gera uma nova configuração de amor: enquanto antes existia o cortejo curto, namoro curto e casamento curto; hoje temos um período maior nas preliminares do casamento. Nos casamos mais tarde. Portanto, estatísticas sobre solteirice tenderão a ser maiores, sim. Mas isso não significa que o romance em si está morto. A necessidade está lá, mas provavelmente exista uma dificuldade maior em preenchê-la.



Como usar a tecnologia a nosso favor?

Um dos primeiros apontamentos da antropologista é que nosso cérebro não foi configurado para “maratonar” em apps de encontro. 

O grande problema, para ela, é a existência do paradoxo da escolha: a incapacidade do cérebro de lidar com muitas opções ao mesmo tempo. Segundo os achados da Dra. Fischer, nós temos um limiar de escolhas românticas: de 5 a 9 pessoas. Com isso, nós temos uma sobrecarga cognitiva sobre as pessoas com quem estamos lidando de uma maneira diferente. 

Um outro contraponto que a Helen faz é sobre como nosso viés de negatividade afeta como buscamos por parceiros. Aliados ao medo de “perder a próxima oportunidade”, nós temos uma tendência a focar no negativo em vez do positivo. “Ele é áries, eu sou de touro, nunca vai dar certo” ou “ele gosta de gatos, e eu, de cachorro” e por aí vai. Os traços negativos tendem a marcar mais. Por isso, quando estiverem na fase do encontro, busquem focar-se no lado positivo da coisa. Tem um artigo ótimo do filósofo Alain de Botton que prega “por que você vai se casar com a pessoa errada”, no qual ele conclui:

A boa notícia é que não importa se descobrirmos que nos casamos com a pessoa errada.

Não devemos abandoná-lo, apenas a ideia romântica sobre a qual a compreensão ocidental do casamento se baseou nos últimos 250 anos: que existe um ser perfeito que pode atender a todas as nossas necessidades e satisfazer todos os nossos anseios.

Precisamos trocar a visão romântica por uma consciência trágica (e em alguns pontos cômica) de que todo ser humano vai nos frustrar, enfurecer, irritar, enlouquecer e nos decepcionar – e nós (sem malícia) faremos o mesmo com eles. Não pode haver fim para nossa sensação de vazio e incompletude. Mas nada disso é incomum ou motivo de divórcio. Escolher com quem nos comprometer é apenas um caso de identificar por qual variedade particular de sofrimento mais gostaríamos de nos sacrificar.”


Portanto, a recomendação final é que: dê match com no máximo 10 pessoas e foque em conhecê-las bem. Vá para um encontro com algumas delas depois de uma conversa focada no positivo. O seu foco aqui deverá ser em entender como a rotina dessa pessoa se encaixa na sua. Quais aventuras vocês iriam juntos? Quais filmes e séries vocês vão usar como piadas internas? Qual político vocês vão falar mal juntos? Como um pode ajudar o outro a desabafar sobre o seu trabalho?

Foque em menos interações e de maior qualidade. Resistir à tentação da quantidade vai te ajudar a explorar melhor as opções.

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